A cólica do bebê é
representada na prática pelo choro súbito, inexplicado e inconsolável, que não
responde às medidas habituais de conforto. Trata-se de um choro forte, agudo,
estridente, aumentando de intensidade. A criança fica vermelha, se estica, vira
a cabeça para os lados, as mãos ficam crispadas, as coxas fletidas sobre o
abdome; frequentemente ocorre eliminação de gases, o que parece dar um alívio
temporário. Este choro pode se prolongar por horas e é inconsolável, o que traz
aos pais, sentimentos de frustração, impotência, ansiedade e sofrimento.
O diagnóstico da
cólica é clínico, frequentemente de exclusão, que não se apoia em nenhum dadi
de exame físico, nem laboratorial. Estes critérios clínicos são baseados na
regra dos 3 de Wessel: duram pelo menos 3 oras, ocorrem pelo menos 3 dias por
semana e pelo menos 3 semanas seguidas. Desaparecem aos 3 meses de vida.
Acresce o curioso fato do choro com “hora certa”, isto é, as cólicas ocorrem
num horário predeterminado, geralmente no fim da tarde, início da noite (19-23
horas).
A causa da cólica do lactente, que já é
conhecida pelos pediatras há mais de um século, continua a representar um
enigma. Diferentes causas que podem ser aditivas, mas frequentemente são
contraditórias, têm sido aventadas, e estas podem ser divididas em
gastrintestinais e não gastrintestinais.
A cólica pode ser uma variante normal e
estaria relacionada a uma imaturidade fisiológica. É curioso notar que os
prematuros têm o mesmo padrão de choro e de cólicas, e que atingem o pico com 6
semanas de idade gestacional, isto é, a mesma dos lactentes a termo.
Temperamento da criança, ansiedade dos
pais (que pode ser agravada por inexperiência e falta de apoio), depressão
materna, personalidade da mãe, problemas na dinâmica familiar e a possibilidade
de sequelas emocionais são aspectos que já foram levantados e apaixonadamente
debatidos.
Na esfera gastrintestinal foram
levantadas algumas hipóteses cujas respectivas pesquisas não foram conclusivas:
Motilidade intestinal alterada –
hiperperistaltismo colônico e pressão retal aumentada. Fala a favor dessa hipótese,
a ação efetiva de alguns antiespasmódicos cujos efeitos colaterais, às vezes
graves, impedem seu uso terapêutico.
Hormônios intestinais – a motilina, que
exagera a peristalse intestinal, parece estar aumentada nos lactentes que
sofrem de cólicas.
Excesso de ar intragastrintestinal – a
aerofagia poderia ser causa, mas também pode ser consequência do choro. O uso
de antiflatulentos, como a simeticona (frequentemente utilizada na prática), não
se mostrou mais eficaz que o placebo, em estudo multicêntrico randomizado, o
que fala contra essa hipótese. O excesso de gases também foi atribuído a uma má
absorção fisiológica e transitória da lactose, mas as primeiras pesquisas não
foram confirmadas.
Tipo de aleitamento – não se verificou
diferença significativa entre crianças em aleitamento materno e as que recebem
mamadeira, embora um estudo tenha mostrado que o pico da frequência de cólicas
era mais precoce nas crianças em aleitamento artificial (duas semanas de vida)
do que nas amamentadas (seis semanas de vida).
Na prática pediátrica, os critérios de
Wessel podem ser muito úteis para determinar a conduta. Os casos que se
enquadram nesses critérios devem receber do pediatra explicação, tranquilizarão
e apoio. Os casos que se afastam muito dos critérios devem ser investigados.
Choro contínuo nas duas primeiras semanas de vida levantam a suspeita de fome,
inclusive por mamadas ineficientes (controlar o peso).
Nos casos associados à regurgitação
acentuada e a mamadas nervosas, interrompidas, considerar refluxo
gastresofágico, e nas famílias atópicas, em que o lactente apresenta choro
acentuado logo após as mamadas, e especialmente se a criança tem outras
manifestações alérgicas, pesquisar alergia ao leite de vaca, inclusive nas
crianças que mamam leite de peito.
Como toda boa pesquisa, a de Saavedra e
cols. dá algumas respostas, como a influência do desmame precoce (embora a
cólica vespertina também ocorra na criança amamentada), e levanta muitas dúvidas.
Seria interessante comparar os lactentes com cólicas diagnosticadas pelos
critérios de Wessel e as crianças chorosas pela percepção da mãe. Quem sabe os
autores se animem e aprofundem seu estudo num modo prospectivo e sequencial,
fazendo uma pesquisa epidemiológica e etnográfica, com entrevistas em
profundidade e observações participantes, uma vez que até hoje nada se tem de
muito conclusivo e efetivo sobre o assunto, que venha a dar conforto aos bebês
e aos pais aflitos.
Fonte; http://www.scielo.br/pdf/jped/v79n2/v79n2a01
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